A França, no final do pelotão europeu em termos de uso de bicicleta na cidade, pretende acompanhar um plano nacional apresentado na sexta-feira passada pelo primeiro-ministro Edouard Philippe. Graças a estas medidas, o Governo pretende triplicar a quota do ciclismo nas deslocações diárias até 2024. As apostas são altas, num país onde os transportes produzem 39% das emissões de gases com efeito de estufa.

Continuação da entrevista com Olivier Razemon, jornalista especializado em transportes, que escreve um blog no site Le Monde, intitulado “A interligação já não é garantida”, e Guy Burgel, urbanista e ex-professor de geografia e urbanismo da Paris X Nanterre. Ele é autor de vários livros, incluindo “A vingança das cidades", ou "Para a cidade".

Viagem intermunicipal de bicicleta

“Olivier Razemon, você publicou notavelmente “O poder do pedal", Onde "Como a França matou suas cidades”, continuaremos a falar de mobilidade na cidade, mas desta vez do ponto de vista de um urbanista, Guy Burgel. Ele publicou notavelmente “A vingança das cidades”. Planejador urbano, você foi professor de geografia e planejamento urbano na Universidade de Paris 10 Nanterre, devemos a você um certo número de trabalhos sobre cidades, em particular “A vingança das cidades”. Por que existe hoje essa sensação de que na França pensamos mal da cidade?

– Acho que não pensamos mal das cidades, acho que cada país tem sua própria história urbana. Passo meu tempo dizendo que “globalização não é padronização”, então grosso modo temos cidades que eram cidades bastante aglomeradas, era a tradição que vinha da antiguidade etc., e em 50 anos esses conglomerados de cidades permaneceram e até assumiram importância demográfica em algumas ocasiões, mas ao mesmo tempo houve um efeito de dispersão, uma difusão urbana, uma expansão urbana. Portanto, é a soma desse patrimônio de cidades aglomeradas e de espraiamento urbano que cria a dificuldade. Acrescentaria uma componente sociológica e económica, bastante sociológica: a feminização do emprego que é um degrau, uma variável importante, em última análise, do último meio século, que fez com que num agregado familiar, numa unidade habitacional, tenhamos dois trabalhadores que obviamente, na maioria dos casos, não funcionam no mesmo local, portanto, há de fato uma escolha a ser feita. A segunda coisa é que a difusão, a expansão dos empregos, a dispersão dos empregos periféricos, acabou sendo muito menor do que a dispersão da habitação. Se juntarmos tudo isto, a dupla herança: aglomeração, dispersão, sociologia da feminização do emprego e maior dispersão do habitat em relação ao emprego e ao trabalho, temos finalmente uma equação de mobilidade que não é insolúvel mas que, ao mesmo tempo, continua difícil de resolver.

– A França, ao que parece, pensa mal dessas cidades, isso significa que essa equação não é específica da França?

– Vou dar um exemplo que é frequentemente citado como exemplo, a Holanda: dizemos, bem, 3% se bem me lembro, 3% de bicicleta nas cidades francesas, 24% acredito nas cidades holandesas. Mas esquecemos uma coisa, que na Holanda, em última análise, a estrutura urbana é totalmente diferente, temos o que é chamado de metrópole Randstad Holland entre Rotterdam, Amsterdam, Utrecht, Haia, etc., que é uma metrópole multipolar, e entre esses polos, o tráfego de automóveis, que é novamente muito maior do que na maioria das metrópoles francesas, porque não viajamos de bicicleta em uma escala de 50 ou 80 km . Dentro das cidades, mas que são muito menores, muito mais movimentadas, na verdade, há tráfego de bicicletas, mas ver todos os holandeses de bicicleta é uma imagem de Epinal que ainda é bastante falsa.

O poder público e o desenvolvimento do ciclismo

– Então, o que podem fazer as autoridades públicas, precisamente quando conta esta história e esta diferença entre os Países Baixos e a França, as autoridades públicas têm muito a ver com isso, é o peso da história?

– Estamos muito atrasados ​​em termos de investimentos, trens nas grandes cidades, não vamos falar apenas das grandes cidades, não devemos esquecer também as cidades médias e as áreas periurbanas. Nas grandes cidades, não ficamos muito atrás em investimentos em transporte público, não quero focar tudo em Paris, mas Paris ainda é protótipo, como dizemos de um certo número de situações. Fizemos o sistema RER radial graças aos planos de Louvoyer na década de 60, quando finalmente os movimentos de mobilidade pelas razões que disse e outras que não tenho tempo de explicar tornaram-se bastante tangenciais de subúrbio a subúrbio. Temos um sistema que, em última análise, vai da periferia para o centro, enquanto o problema é da periferia para a periferia. Entendemos muito bem que há tanto uma insuficiência física de alguma forma das redes quanto as substituições de automóveis que são, se não necessárias, pelo menos bastante forçadas.

– Essas escolhas foram feitas apenas na França ou você também as encontra em outros países?

– Acho que é um fenômeno bastante geral, nem todos estavam errados, acho que há países que por cultura, talvez os países anglo-saxões, talvez os países do norte da Europa, talvez sejam mais capazes de entender o fenômeno. Mas a mobilidade ainda é um problema que acaba sendo bastante recorrente em todas as metrópoles e em todas as cidades do mundo.

– Olivier Razemon, seu ponto de vista?

– Não sei se é cultural, você menciona a Holanda, mas quando você olha para outros países europeus, não é só a França e a Holanda, felizmente. Quando se olha para a Alemanha, também lá nas décadas de 50 e 60 houve um aumento das viagens motorizadas devido à expansão urbana, o que continuamos a fazer, exatamente da mesma forma, e de fato nos demos conta do problema antes, por Várias razões. Então, na Alemanha, foi porque teve chuva ácida nos anos 80, que causou problemas de poluição. Na Holanda, era porque tínhamos mais petróleo, etc. No norte da Itália, é porque notamos que os canos de escapamento escureciam as fachadas, então cada vez há mudanças e depois acrescento algo sobre as cidades francesas, é que continuamos fazendo errado. Não acho que seja apenas uma questão de cultura. Quando a gente decidir, quando um prefeito decidir tirar o Pôle emploi, a delegacia ou tal e tal equipamentos público, ou a Maison de santé, e colocar a 3 km do centro da cidade, numa zona industrial, dizendo, lá é muito bom, todo mundo tem carro, é só ir lá vai... responsabilidade. E quando o Banque de France, às vezes é o prefeito que faz isso, às vezes é a comunidade urbana, às vezes as instituições nacionais, quando em Poitiers eles decidem pegar a sede do Banque de France e colocá-la a 3 km do centro da cidade, um lugar onde não tem nem transporte público, aí sim é uma responsabilidade enorme.

– Creio que tem fundamentalmente razão, não é apenas uma razão de cultura, mas vou insistir em legados quase seculares. Você fala das cidades alemãs, fiquei muito impressionado há alguns anos quando fui a Stuttgart, ao ver que, em uma reunião noturna, as pessoas que iriam retornar às pequenas cidades de Baden-Württemberg não estavam indo de carro como eu faria fiz eu mesmo. Tenho reunião às 20h, sei que vou sair às 23h, não vou lá de transporte público, com licença, estou economizando meu tempo e meu cansaço. Lá, ainda tínhamos as estruturas físicas da cidade o que significa que, em última análise, somos de fato incentivados a pegar trens regionais a cada 20 minutos.

A questão da mobilidade para as cidades francesas

– Guy Burgel, se você tivesse que definir hoje a forma como o problema da mobilidade surge hoje para as cidades francesas, o que você diria? Quais são os problemas hoje que precisam ser resolvidos?

– Existe uma palavra um pouco bárbara, é multimodalidade. Não agimos pela força, agimos por convicção. As pessoas têm que ter uma escolha. Quando eles tiverem a sensação de que, finalmente, pegar transporte público, talvez pegar a bicicleta em todas as segurança, não em ciclovias armadas com pictogramas, será ganha. Devemos dar a escolha e não agir por constrangimento.

– Temos antes a impressão, hoje, que em termos de mobilidade, as escolhas que se fazem são escolhas que impõem constrangimentos aos indivíduos, nos seus movimentos, em particular, por exemplo, a questão da utilização do automóvel, pode ser feito de outra forma?

– Como qualquer pessoa razoável, acredito que a redução do tráfego de automóveis, por questões climáticas de longo prazo, etc., é necessária. Eu acho que você tem que ter muito cuidado com o que você faz. A cidade é como um motivo de Calder, ou seja, se você faz algo se mover, outra coisa se move para outro lugar que você não previu, então você tem que tomar medidas de curto, médio e longo prazo, mas mais uma vez, pague atenção às consequências das medidas que tomamos.

– O facto de as cidades francesas serem antigas, de termos noutros países a possibilidade de ver a história das cidades do século XIX, claro que não é o caso das cidades francesas, será que é um obstáculo, hoje, à sua planeamento ou a sua adaptação às viagens com os constrangimentos que são novos constrangimentos, novas preocupações também ao nível da ecologia?

– Vou cultivar o paradoxo: é mais uma chance de ter um patrimônio cultural, arquitetônico, histórico, é mais uma chance para cidades pequenas, médias e grandes, com a condição de mais uma vez aproveitar essa chance. Não devemos jogar contra a corrente, não devemos esterilizar os centros das cidades, por causa do patrimônio, do turismo incompreendido. A consequência desse ditado “globalização não é padronização” é que não existe apenas uma política urbana, uma política de mobilidade.

– Felizmente, acho que é a restrição que funciona bem, quando olho para o que realmente está acontecendo, então, ou é uma restrição política, ou é uma restrição externa. Quando há alagamento em uma cidade de cada vez, há certas faixas que estão bloqueadas, as pessoas se adaptam e se organizam, quando havia em Los Angeles em um fim de semana uma espécie de autoestrada que foi bloqueada porque a rodovia tinha que ser reparada, as pessoas adaptados, pensaram em ir ao restaurante do outro lado da cidade e finalmente encontraram um restaurante no bairro e foi muito bom. Nós nos organizamos, e tendemos, quando há eixos, eixos novos, e quando temos um carro e é fácil de usar e estacionar, tendemos a usá-los sem fazer perguntas e fazemos novos e vai assim este.

– No final, você menciona eventos excepcionais, existem escalas de tempo, eu acredito que eventos excepcionais realmente exigem uma resposta excepcional, aqui estamos por um longo período de tempo, não estamos atrapalhando a mobilidade em andamento, essa é a primeira coisa , e em segundo lugar há as desigualdades sociais, o que você diz é muito mais fácil fazer essas denúncias quando você é um bobo. Acabamos de terminar um atlas sobre a região de Lyon, imagine a área periurbana de 30 km a 40 km de Lyon, estamos em mobilidade restrita, onde o carro é quase obrigatório.

– Sim, para percorrer 30 km, você também pode se perguntar o que tem em volta da sua casa, e aí tem pessoas que estão realmente em mobilidade precária. 8 milhões de pessoas não têm sequer acesso à mobilidade.

Transporte urbano de bicicleta, uma simples moda?

– Nas cidades, Guy Burgel, também temos assistido a uma série de questões de moda, hoje falamos muito de ciclismo e há uns anos atrás era a pedonalização das zonas do centro da cidade, é que hoje podemos fazer um balanço, por exemplo, desta política?

– Podemos fazer uma avaliação, há cinquenta anos a bicicleta era o operário que saía da fábrica, como o carteiro de Jacques Tati fazendo suas rondas, agora é mais o bobo parisiense em sua bicicleta ou levando seu carro. A pedonalização está agora a ser posta em causa: diz-se que matou os centros das cidades, especialmente nas cidades médias.

– Houve também críticas à uniformização dos centros das cidades, com zonas pedonais que se assemelham, ou seja, muitas vezes tendemos a dizer e até a pensar que encontramos as mesmas lojas, temos uma espécie de cidade que está a perder o seu identidade.

– Tem uma cidade que eu gosto muito, é Montpellier, graças à política de Georges Frêche e seu vice, um geógrafo, Raymond Dugrand, já falecido. Eles fizeram uma política contínua, uma política de bonde e de pedestre, funciona. É uma cidade que admiro a este respeito porque tem bilhetes em última análise, juntamente com estacionamento dissuasor na periferia, o eléctrico a 10 minutos da periferia numa cidade ainda média, de 300-400 habitantes, que o leva ao centro da cidade, que é um centro pedestre da cidade com património real. Aqui está um exemplo que não é necessariamente transponível, mas que estimula a admiração e a exemplaridade.

– Nas cidades menores, o que acontece é que temos uma ou duas ruas para pedestres, uma rua Vierzon, uma rua Nevers 2-3, e pronto. O desafio não é torná-lo pedestre, é poder atravessar a cidade a pé, e fora as ruas pedonais que são bastante uniformes, do ponto de vista comercial é no final das contas complicado, porque você cai imediatamente em um enorme cruzamento que é difícil de atravessar com um carrinho. A questão é apaziguar a cidade, inclusive a cidade média, para que possamos atravessá-la a pé e de bicicleta.

– O que significa, apesar de tudo, que esta pedonalização, que para si não foi feita com bastante ambição, escala nas pequenas cidades, não impediu em nada a circulação, por exemplo, de lojistas nas proximidades?

– Ambos concordo sim com uma ampliação das ruas pedonais, mas ao mesmo tempo, quando se é uma casa comum, tem as suas compras de fim de semana para fazer, seja pedonal para todo o centro da cidade ou seja para algumas ruas , quando você enfrenta a concorrência dos shopping centers, inclusive em cidades pequenas e médias, que você chega depois de dez minutos de carro, aí, novamente, uma espécie de racionalidade cotidiana. Você tem que entender que as pessoas vão de porta em porta entre sua ascensão de garagem e o estacionamento do supermercado. Temos que parar de construir novos.

O ponto de vista de um romancista de ciclismo

– Vou dar as boas-vindas a Aurélien Bellanger, um romancista que viu seu “Grand Paris”, é o título de seu último romance, republicado hoje em brochura. Aurélien Bellanger, você se interessa muito pela aparência das cidades, pelo planejamento urbano e também pelo ciclismo, já que é ciclista. Qual o seu ponto de vista sobre esta questão da mobilidade em ambiente urbano?

- Esta é uma questão muito interessante. O que você realmente vivencia em uma bicicleta é o fenômeno da continuidade, da descontinuidade, você faz muitas ciclovias, você só tem que ter bordas pequenas, um pouco grandes demais para você não cruzar. porque o que queremos é ir muito rapidamente e sem transição, e isso levanta mesmo a questão da sustentabilidade a longo prazo do Grand Paris Express. É uma rede extremamente profunda e que ainda cria uma ruptura. A rachadura no metrô, tem um século, nós a aceitamos mais ou menos. O metrô se tornou parisiense, não se tornou mais as catacumbas, o reino do submundo. Se fizermos uma rede com mais de 40 metros de profundidade onde temos que descer três escadas rolantes, etc. medo , com o RER, ou o RER só porque é mais profundo, só porque não tem uns códigos Guimard, uns códigos parisienses, o RER nunca foi um transporte urbano, c Era um transporte, como dizer, de subúrbio para o subúrbio, um transporte para pendulares, e nunca se tornou estritamente uma cidade, ou então fez uma cidade que as pessoas nunca apreciaram plenamente e apenas vemos simbolicamente como laranja ou vermelho e RER estão associados hoje a experiências que provocam ansiedade. Então são os pequenos ajustes, as pequenas costuras de fato que são importantes.

– E sobre a fisionomia das cidades, a forma como evolui para se adaptar aos movimentos das pessoas, Aurélien Bellanger?

– Imagino que isso já tenha sido resolvido, a incrível injustiça que é feita aos outros meios de transporte, em relação ao carro, onde o carro tem quase todo o espaço público, que está começando a parecer, cada vez mais, para a opinião pública, ao confisco do espaço. Cada vez que um novo meio de transporte chega, seja o scooter elétrico ou esse tipo de coisa, a questão é a ocupação do domínio público, enquanto o patinete bicicletas elétricas e flutuantes, devemos estar em 1 para 1000 da ocupação do espaço público. O carro chega a 70% e não apresenta problemas. É muito estranho que as pessoas digam que ocupa espaço nas calçadas.

A importância do respeito entre motorista e ciclista, ciclista e pedestre

– Guy Burgel, seu ponto de vista?

– Meu último livro “Problemas urbanos” terminou com uma espécie de axioma da cidade habitável, eu disse respeito. As pessoas têm que aprender a se respeitar, isso significa que o motorista respeita o ciclista, que às vezes o ciclista respeita o pedestre. Sou ciclista, no meu tempo, sei o que isso significa. Quando as patinetes chegam tanto nas ciclovias quanto nas calçadas, é falta de respeito. A cidade também é urbanidade.

– Há esse aspecto que chama a atenção com o sistema de ciclismo contra-fluxo que foi implantado, há algo muito levinassiano no ciclismo, quando você é confrontado cara a cara, de frente para um carro, acontece alguma coisa e a gente sabe muito bem que a moral é como o anel, de não sei o que na mitologia grega, é algo que te torna amoral porque te torna invisível.

– Neste momento, há um problema de acidentes de bicicleta, não só em França mas também no resto do mundo, que vem do facto de haver muito mais viagens de bicicleta, então há um aumento e depois há uma falta de organização. É uma questão de organizar o espaço público para que essa convivência seja possível, em alguns lugares você tem que separar, em outros você tem que misturar, mas em uma velocidade bastante baixa. Se não fizermos isso, na verdade temos pessoas que estão fazendo bobagens, não lidamos com a questão das duas rodas motorizadas há anos, estamos pagando hoje com todas essas coisas que estão nas calçadas.”

Transcrição gratuita do programa: “Plano de bicicleta: uma forma de redesenhar a cidade?”, Les Matins de France Culture, 17 de setembro de 2018
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=J7pli9FVNK4